Histologia e Embriologia do Tecido Nervoso - Parte 1 (Visão Geral)
O sistema nervoso é formado por células capazes de detectar estímulos internos e externos (receptores sensoriais), interpretar esses estímulos e gerar respostas adequadas, coordenando as diversas funções que realizamos. Estas células - os neurônios - são extremamente especializadas na capacidade de excitabilidade (alteração do potencial de membrana), através da qual geram os chamados impulsos nervosos, que conduzem informações de uma parte a outra do corpo.
O sistema nervoso é dividido anatomicamente em duas partes:
- Sistema Nervoso Central (SNC) - representado por encéfalo e medula espinhal, a massa nervosa protegida pelo crânio e canal vertebral, respectivamente e;
- Sistema Nervoso Periférico (SNP) - representado por gânglios, nervos e receptores nervosos, localizados fora do neuroeixo.
Origem embriológica do Tecido Nervoso
No início da 4ª semana do desenvolvimento embrionário, o embrião consiste em um disco trilaminar, isto é, formado por três tecidos totipotentes, que originarão todos os tipos celulares do novo indivíduo: o ectoderma (mais externo), mesoderma (intermediário) e endoderma (interno). Recorde que os tecidos conjuntivos e tecidos musculares são originados a partir do mesoderma.
Neste estágio de desenvolvimento, algumas células do ectoderma começam a se multiplicar, especialmente estimuladas pela notocorda, dando origem à chamada placa neural. Esta região, em franca multiplicação celular, logo começa a se invaginar em direção ao mesoderma, formando uma depressão chamada de prega neural. Entre a prega neural e o restante do ectoderma adjacente, há uma outra região chamada de cristas neurais. A invaginação da placa neural faz com que ela se desprenda definitivamente do ectoderma, juntamente com as cristas neurais, formando o tubo neural, que dará origem ao SNC. As cristas neurais, localizadas agora, de um lado e de outro do tubo neural formado, formará os gânglios do SNP e outros tipos celulares, como os melanócitos da epiderme. O ectoderma de superfície dará origem posteriormente ao epitélio de revestimento da pele.
Posteriormente, as células da região anterior do tubo neural se multiplicarão mais do que as da porção caudal; aquela formará o encéfalo, mais volumoso e a porção caudal a medula espinhal.
O processo de desenvolvimento nervoso a partir do ectoderma é chamado de NEURULAÇÃO (Figura 1).
Figura 1 - NEURULAÇÃO. A) Embrião na 4ª semana de desenvolvimento. Note o surgimento da placa neural (sulco neural) a partir do folheto embrionário externo. B) Formação da placa neural e cristas neurais a partir de multiplicação de células do ectoderma. C e D) Forma-se um sulco neural, decorrente do espessamento da placa neural, com consequente invaginação do tecido neural em desenvolvimento. E) O destacamento do tecido neural do restante do ectoderma dá origem ao tubo neural e às duas cristas neurais. F) O tubo neural dará origem ao SNC, enquanto as cristas neurais formarão especialmente os gânglios medulares (SNP). O ectoderma restante formará o epitélio da pele.
Imagem retirada de MOORE, Keith L.; PERSAUD, T. V. N. Embriologia básica. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 365 p.
Neurônios
Os neurônios formam rede de conexões entre si e entre si e os órgãos, de modo a coletar informações, processá-las (arquivar em memória, caso necessário) e responder a elas. Estas células se especializaram tanto na capacidade de transmissão de impulso nervoso que saem definitivamente do ciclo celular, ou seja, não entram em mitose no indivíduo adulto. Um neurônio típico apresenta as seguintes porções celulares:
- Corpo celular (também chamado de soma ou pericário) - região mais proeminente da célula, que contém o núcleo e a maioria das organelas celulares, sendo, portanto, o centro trófico da célula. Seu núcleo contém cromatina geralmente frouxa, com um nucléolo bem evidente. No citoplasma há grande quantidade de retículo endoplasmático rugoso (chamado de corpúsculos de Nissl nestas células) e ribossomos livres, além de inúmeras mitocôndrias. Isso revela que os neurônios são células extremamente ativas na síntese protéica, especialmente de neurotransmissores (substâncias utilizadas para comunicação interneuronal - sinapses);
- Inúmeros dendritos, prolongamentos celulares curtos, que aumentam a área de superfície do corpo celular, estabelecendo contatos entre os neurônios contíguos;
- Um único axônio (prolongamento celular mais longo que os dendritos) que se estende a partir do corpo celular, podendo percorrer longas distâncias, responsável pela condução do impulso nervoso vindo do corpo celular para outras células (neurônios, órgãos ou músculos). O local de saída do axônio a partir do corpo celular é chamado de cone de implantação. Em linhas gerais, o axônio não apresenta as organelas celulares, mas os componentes do citoesqueleto, especialmente os microtúbulos garantem o transporte de substâncias do e para o corpo celular (transportes anterógrado e retrógrado, respectivamente).
As figuras 2, 3, 4 e 5 ilustrarão os neurônios:
Figura 2 - Representação esquemática de um neurônio. Os números 1, 2 e 3 representam, respectivamente, os numerosos dendritos, o corpo celular e o único axônio. O impulso nervoso percorre este sentido unidirecional (dendritos - corpo celular - axônio). No corpo celular estão localizados o núcleo, com um nucléolo evidente e intensa rede de retículo endoplasmático rugoso (Corpúsculos de Nissl).
Figura 3 - Neurônios corados por Tricômio de Gomory (1000x). A seta preta aponta o cone de implantação, região de saída do axônio (setas vermelhas). O corpo celular de um dos neurônios está apontado por um asterisco. Os demais núcleos ao redor dos neurônios são de células chamadas células da glia, que serão comentadas mais adiante.
Figura 4 - Neurônios (HE, 1000x). Notar os núcleos com nucléolo evidente e células da glia.
(Lâmina gentilmente cedida por MSc. Silvania Paz, Depto. Patologia - UFPE).
Figura 5 - Neurônios corados pela técnica de impregnação por ouro (1000x).
Células da Neuróglia (Glia)
As demais células do tecido nervoso são chamadas coletivamente de neuróglia ou células da glia. Estas células não estão envolvidas no impulso nervoso como os neurônios, mas criam as condições ideais para que os neurônios executem suas funções. São, portanto, células de suporte do tecido nervoso. Nas colorações usuais, por exemplo HE, as células da glia não são bem evidenciadas, exceto seus núcleos entre os neurônios. Técnicas especiais podem ser utilizadas para destacar essas células, como imuno-histoquímica ou colorações em prata/ouro. Falaremos a seguir basicamente sobre algumas células da neuróglia:
- Astrócitos - são células bastante ramificadas, com formato estrelado, relacionadas ao controle de troca de substâncias entre o sangue e o tecido nervoso: transportam líquidos e íons do meio extracelular ao redor dos neurônios para os vasos sanguíneos e vice-versa (Figura 6).
Figura 6 - Astrócitos (Método Golgi-Lavínea,1000x). Notar o impressionante formato estrelado destas células. Estão relacionadas com a nutrição neuronal.
- Células secretoras de bainha de mielina - Células de Schwann (no SNP) e Oligodendrócitos (SNC). Estas células se dispõem ao redor dos axônios dos neurônios e os envolvem, formando a bainha de mielina, estrutura que funciona como isolante elétrico (Figura 7).Os neurônios com bainha de mielina são ditos mielinizados e os desprovidos de bainha, amielínicos. A visualização destas células também não é fácil nos preparados histológicos de rotina.
Figura 7 - Axônios mielinizados na medula espinhal. Os axônios estão em corte transversal e envolvidos pela chamada bainha de mielina. Os constituintes desta bainha, de natureza lipídica, foram retirados durante o processo de preparação histológica pelo solvente orgânico (xilol), restando apenas o espaço ocupado por eles. A bainha de mielina serve como isolante elétrico para a maioria dos neurônios e é produzida por células da neuróglia. HE, aumento máximo.
(Lâmina gentilmente cedida por MSc. Silvania Paz, Depto. Patologia - UFPE).
- Micróglia - as menores células da glia, pouco visualizadas nas preparações histológicas de rotina, são macrófagos residentes no tecido nervoso central. Logo, estas células não possuem origem ectodérmica, mas se originam de células da medula óssea (monócitos) que penetram no tecido nervoso em formação e aí se diferenciam em micróglia. Em técnicas utilizando sais de prata (p ex. Del Rio Hortega, figura 8), estas células se revelam com inúmeros prolongamentos delicados. Diante de lesões no tecido nervoso, estas células aumentam sua atividade fagocítica e retiram restos celulares e substâncias indesejadas (inflamação e reparo tecidual).
Figura 8 - Micróglia (Del Rio Hortega, 1000x). Nesta preparação à base de impregnação por prata, evidencia-se a micróglia, células pequenas e com delicados prolongamentos, representantes do sistema mononuclear fagocitário no SNC).
Matriz Extracelular do Tecido Nervoso
No tecido nervoso, além de neurônios e células da neuróglia, também podem ser encontrados elementos de matriz extracelular (MEC). A maioria dos autores de histologia descrevem a MEC do tecido nervoso como escassa ou inexistente. Hoje, porém, se sabe que é parte integrante e importante do tecido. O espaço entre as células e seus prolongamentos é preenchido por líquido intersticial e complementado pela MEC, que é formada especialmente por ácido hialurônico, fibronectina, laminina, colágenos tipo I, III e IV, glicosaminoglicanos e proteoglicanos. As moléculas da MEC, que chegam a ocupar cerca de 1/5 do tecido nervoso são essenciais para proliferação e migração (durante desenvolvimento embrionário), bem como para a formação de sinapses (MARTINEZ et al, 2014).
Referência
MARTINEZ, Ana Maria Blanco et al. Neuro-histologia: uma abordagem celular e sistêmica. Rio de Janeiro: Rubio, 2014.
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