Histologia do Tecido Ósseo

O tecido ósseo - modalidade especial de tecido conjuntivo - é formado por células produtoras de matriz óssea, os osteoblastos, que ficam aprisionadas pela matriz por elas produzidas; esta matriz torna-se mineralizada, pela deposição de diversos íons, especialmente Fosfato e Cálcio, o que dá ao tecido ósseo sua dureza característica. Como este tecido é duro, o fatiamento em micrótomo é dificultado e seu estudo histológico depende da realização de técnicas especiais, dentre as quais:
  • Desgaste - o tecido ósseo é submetido a processo abrasivo com lixas d'água de diferentes granulações, até ser obtida uma fatia fina de osso, que pode ser colocada na lâmina de vidro e observada ao microscópio de luz. Nesta técnica, preserva-se a matriz mineralizada do osso, sendo perdidas as células e a matriz orgânica.
  • Incineração - processo em que o osso é submetido a uma fonte de calor. A matriz orgânica e células são destruídas pelo fogo, restando a matriz inorgânica (mineralizada). Esta técnica é pouco empregada, porque após o processo, o tecido fica extremamente quebradiço, de difícil manipulação.
  • Descalcificação - também chamada de desmineralização, nesta técnica se põe o osso em uma substância quelante ou ácida (como ácido nítrico, clorídrico ou EDTA) por um tempo. Esta substância remove a matriz mineral do tecido, especialmente os íons cálcio, mantendo as células e matriz orgânica. Após o amolecimento do osso, o tecido pode ser impregnado por parafina e fatiado ao micrótomo.
Os ossos formam o esqueleto, estrutura de sustentação e suporte para os tecidos moles, e que protege órgãos vitais, como encéfalo, medula espinhal, coração e pulmões. Os ossos, junto com os músculos estriados esqueléticos, promovem a capacidade de locomoção. Também abrigam em seu interior a medula óssea, responsável pela produção de células do sangue. Além disso, os ossos são importante reservatório de íons, disponibilizando-os ao sangue quando há necessidade metabólica.

HISTOGÊNESE
O tecido ósseo se forma a partir de dois processos: ossificação intramembranosa e ossificação endocondral.
A ossificação intramembranosa (Figura 1) se dá origem a partir de uma membrana de tecido conjuntivo. Esse processo é responsável pela formação dos ossos planos do crânio, bem como de mandíbula e maxila, além do crescimento em espessura dos ossos longos (através da membrana que reveste os ossos - o periósteo). Após uma fratura, o processo de ossificação intramembranosa também ajuda no reparo do osso.
Neste processo de ossificação, células semelhantes a fibroblastos dão origem aos osteoblastos, células produtoras de matriz óssea. À medida que produzem a matriz óssea, os osteoblastos ficam presos nela e passam a ser chamados de osteócitos, células menos ativas da deposição de matriz óssea. Posteriormente, a matriz óssea recém-sintetizada (denominada osteoide) atrairá Fosfato de cálcio do sangue e se tornará mineralizada.
Figura 1 - Ossificação intramembranosa (HE, 400x). Neste processo de ossificação, o tecido ósseo surge a partir de uma membrana de tecido conjuntivo (tecido mesenquimal - M). As células mesenquimais diferenciam-se em osteoblastos (seta vermelha) produtores de matriz óssea, na superfície do osso. As células no interior da matriz recém-sintetizada são os osteócitos (seta amarela). A matriz óssea é denominada OSTEOIDE (O). Posteriormente, íons cálcio e fosfato provenientes do sangue se depositarão no tecido. Acima, um vaso sanguíneo (asterisco).

O processo de ossificação endocondral envolve uma molde de cartilagem hialina. Neste processo, os condrócitos aumentam de tamanho e morrem por apoptose. O espaço antes ocupado por eles é invadido por vasos sanguíneos e células osteoprogenitoras, que darão origem aos osteoblastos produtores de matriz óssea (osteoide). A ossificação endocondral é responsável pela formação dos ossos longos (o primeiro esqueleto do embrião é praticamente de cartilagem hialina). Além disso, após uma fratura óssea, juntamente com a ossificação membranosa, a endocondral repara o osso fraturado, formando novo tecido ósseo. Ossificação endocondral também ocorre nas chamadas cartilagens epifisárias, ou cartilagens de crescimento (Figura 2). Estes discos de cartilagem hialina persistem após o nascimento e são responsáveis pelo crescimento dos ossos longos em comprimento, processo que dura até cerca de 18-20 anos, quando as cartilagens epifisárias se ossificam por completo.
Figura 2 - Cartilagem epifisária. À esquerda, raio X de criança de 12 anos, evidenciando as cartilagens epifisárias distais de crescimento de tíbia e fíbula. Na imagem da direita, as setas vermelhas também evidenciam essas cartilagens, responsáveis pelo crescimento longitudinal dos ossos longos.

Numa cartilagem epifisária, são evidenciadas 5 zonas de formação do osso (Figura 3):
  1. Zona de Cartilagem em repouso (ZR) - observa-se cartilagem hialina típica, sem alterações morfológicas. Os condrócitos estão presos na matriz da cartilagem;
  2. Zona de Proliferação (ZP) - os condrócitos entram em divisão mitótica, formando fileiras de células em franca divisão celular.
  3. Zona de Cartilagem Hipertrófica (ZH) - nesta zona, os condrócitos estão aumentados de tamanho, hipertrofiados. A matriz cartilaginosa agora é reduzida a finos tabiques entre os condrócitos aumentados de tamanho. Condrócitos entram em morte celular (apoptose).
  4. Zona de Calcificação (ZC) - encerra-se a apoptose dos condrócitos. Íons cálcio, provenientes do sangue, começam a se depositar na matriz cartilaginosa.
  5. Zona de Ossificação (ZO) - vasos sanguíneos e células osteoprogenitoras invadem as lacunas deixadas pelos condrócitos. Estas últimas se diferenciam em osteoblastos, inciando a deposição da matriz orgânica do osso.
Figura 3 - Cartilagem epifisária (HE, 400x).

Em ambos os casos de ossificação, o tecido ósseo inicial formado é chamado de osso não-lamelar (ou osso primário ou osso imaturo). Este tecido é pouco resistente e se organizará futuramente, diante das forças a que o osso é submetido, em tecido ósseo maduro (ou lamelar), que será comentado adiante.

Células do Tecido Ósseo
As células produtoras da matriz orgânica (colágeno tipo I, proteoglicanos, glicoproteínas...) do tecido ósseo são os osteoblastos. Estas células estão dispostas nas superfícies do osso, lado a lado, lembrando um tecido epitelial simples. À medida que produzem a matriz óssea, ficam nela aprisionados, sendo chamados de osteócitos. Portanto, osteoblastos e osteócitos são a mesma célula em diferentes estágios de vida e de atividade metabólica. A matriz óssea recém-formada é denominada osteoide e não se encontra ainda mineralizada (Figura 4). Como os osteoblastos ficam aprisionados nesta matriz por eles mesmos sintetizados, o espaço ocupado por cada osteócito é chamado de lacuna. De cada lacuna partem inúmeros canalículos (Figura 5), resultado da deposição da matriz mineral em torno dos prolongamentos dos osteócitos. Estes canalículos do tecido ósseo são de fundamental importância para a nutrição das células ósseas. Como o tecido ósseo é mineralizado, há dificuldade de difusão de nutrientes e gases para as células. Portanto, osteócitos vizinhos trocam entre si metabólitos necessários à sobrevivência através de junções comunicantes (tipo gap).

Figura 4 - Tecido ósseo recém-sintetizado (HE, 400x). Os osteoblastos se dispõem na superfície do osso (seta vermelha), em uma organização que lembra um epitélio. Os osteócitos (seta amarela) são as células aprisionadas na matriz óssea recém-sintetizada (O). O asterisco aponta locais em que já existe deposição de íons, isto é mineralização do osteoide. A medula óssea (MO) se interpõe entre as trabéculas de tecido ósseo.

Figura 5 - Osso desgastado (Aumento máximo). Observe os espaços mais escuros na matriz óssea, chamados de lacunas, onde ficam os osteócitos. De cada lacuna partem inúmeros canalículos, que abrigam os prolongamentos dos osteócitos, os quais permitem a comunicação intercelular. 

Além dos osteoblastos e osteócitos, no tecido ósseo também há os osteclastos, células grandes e multinucleadas, provenientes da medula óssea, que fazem parte do sistema mononuclear fagocitário do tecido ósseo, isto é, macrófagos residentes no osso. Estas células são responsáveis pela reabsorção da matriz óssea, agindo de forma contrária aos osteoblastos (que depõem matriz). Nas áreas de reabsorção de matriz, podem ser encontrados os osteoclastos dispostos em depressões resultantes da reabsorção, as chamadas Lacunas de Howship (Figura 6). Nestas depressões, são lançadas enzimas ácidas que erodem o tecido ósseo e liberam íons cálcio e fosfato para a circulação sanguínea, dependendo da necessidade metabólica destes íons. A atividade dos osteoclastos é controlada hormonalmente, sobretudo pelo paratormônio produzido pelas glândulas paratireoides: este hormônio estimula a retirada de cálcio da matriz óssea.

Figura 5 - Osteoclasto (Aumento máximo, 1000x). Células gigantes multinucleadas encontradas na superfície óssea são, na verdade, macrófagos do tecido ósseo responsáveis pela remodelação óssea. As setas apontam os locais de erosão do osso, chamados de Lacunas de Howship. (Imagem retirada de http://anatpat.unicamp.br/lamosso3.html).

Matriz óssea
O tecido ósseo é uma modalidade de tecido conjuntivo que apresenta, além da matriz orgânica conjuntiva típica (fibras colágenas tipo I, proteoglicanos e glicoproteínas) secretada pelos osteoblastos, uma matriz inorgânica.
Esta matriz inorgânica representa cerca de 50% do peso do osso e é formada por diversos íons que se depositam no tecido ósseo, dentre os quais magnésio, bicarbonato, zinco, sódio e especialmente fosfato de cálcio na forma de cristais de hidroxiapatita, elemento também encontrado em rochas.

Tecido Ósseo Maduro (Osso lamelar)
Vimos acima que o primeiro tecido ósseo formado é chamado de osso não-lamelar, em que os osteócitos não apresentam uma organização definida entre as fibras de colágeno tipo I e a matriz inorgânica, sendo um tecido ósseo pouco resistente. Durante o crescimento do indivíduo, este tecido ósseo vai sendo organizado em osso lamelar, típico dos adultos.
Este tecido ósseo lamelar se caracteriza pela organização dos osteócitos entre as fibras de colágeno que ficam organizadas em círculos (lamelas) que se dispõem em camadas concêntricas, tendo como centro um canal de vaso sanguíneo, os chamados canais de Havers. As lacunas dos osteócitos ficam entre as lamelas ósseas. Esta organização do osso maduro é chamada de Sistemas de Havers ou ósteon: cada sistema de Havers (Figura 6) é formado por um canal central ocupado por um vaso sanguíneo em torno do qual se dispõem os osteócitos e as lamelas de matriz óssea.

Figura 6 - Osso desgaste (400x). A micrografia mostra dois sistemas de Havers (ósteons), formados por um canal central de vaso sanguíneo (canal de Havers) e as lacunas de osteócitos, dispostas entre as lamelas de matriz óssea mineralizada. 

Comunicando os canais de Havers entre si, há a presença de outros canais de vasos transversais ou oblíquos, os chamados canais de Volkman (Figura 7). Esta intensa vascularização do tecido ósseo garante nutrição adequada para os osteócitos, que se comunicam entre si através dos canalículos da matriz óssea mineralizada.

Figura 6 - Osso lamelar desgastado (40x). A micrografia mostra vários sistemas de Havers (ósteons), interligados entre si pelos chamados canais de Volkman. Os espaços vasculares estão evidenciados em cor avermelhada pelo corante Schmorl.

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